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Ocupação e resistência no Bom Jardim: Reggae ameniza as dificuldades e inspira a luta diária

Por: Matheus Facundo

Era uma noite de diversão após um desfile de maracatu carnavalesco em 2016 quando um grupo de jovens do Grande Bom Jardim, região periférica da cidade de Fortaleza (CE), se reuniu para dar continuidade à festa. Um baile de reggae aconteceu e a partir daí uma epifania: nasce, então, o Coletivo Bonja Roots, motivado pela insatisfação da comunidade com a falta de incentivo à cultura na favela, aliado ao sentimento de fortalecer os laços dos jovens com a periferia.

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A estudante Andressa Bernardo é uma das fundadoras da iniciativa e explica o processo que deu início ao coletivo. “Um amigo foi buscar uma caixa de som, outra pessoa conseguiu umas extensões elétricas e no meio de uma praça ‘brotou’ o primeiro baile de rua do Bom Jardim. Uma galera ficou e curtimos a noite. Mas ficou um questionamento. Insatisfeitos com a falta de investimento em arte e cultura na favela, a gente decidiu continuar o baile”, conta

A partir daí, o processo de reocupação do Grande Bom Jardim começou, ou pelo menos uma tentativa diária dos jovens que lá habitam. Assolados pelo preconceito, pela violência e muitas vezes pelo estigma relacionado ao jovem periférico, eles encontram dificuldade para resistirem, mas não dão o braço a torcer. “Hoje, a gente conta com colaboração de oito pessoas para desenvolver nossas atividades. Foi importante começar isso pra gente desenvolver coisas dentro do nosso próprio bairro, ter essa autonomia. A produção cultural independente tem fortalecido nosso contato com outras pessoas de diferentes áreas de Fortaleza, criando uma rede de jovens que trabalham com arte e produção cultural”, pontua a estudante.

Centro Cultural Bom Jardim

Criado depois de muitos entraves e reivindicações da população, o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) nasceu em 2006, por meio de uma iniciativa do Governo do Estado do Ceará. Gerido pelo Instituto Dragão do Mar, através da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult), o local promove cursos gratuitos, apresentações culturais e até abriga festivais.

 

Lá, o Bonja Roots encontra espaço para realizar boa parte de suas atividades. Mas nem sempre é possível. Andressa Bernardo relata que, por vezes, ocupar efetivamente aquele espaço é “uma luta”. Ela denuncia a falta de investimentos em projetos naquela área.

Entretanto, o coordenador de formação da Secult, Lenildo Gomes, afirmou que 2018 foi o ano em que o orçamento para o CCBJ foi maior da sua história. “Parte da problemática que frequentemente vem sendo apontada está relacionada com a dificuldade administrativa em executar pagamentos em dia, não provocando os rotineiros atrasos”, explica o formador. Ele ainda ressalta que o Centro é um importante canal de diálogo com o jovem da periferia e pontua que “a cada ano o CCBJ aumenta suas ações”.

*Clique nos pontos e conheça projetos protagonizados pela juventude nas periferias de Fortaleza

Lenildo Gomes afirma que a Secult é empenhada em priorizar ações que contemplem a vida de quem mora na favela. “Tais políticas significam importante valorização das artes e das culturas criadas nas periferias. A partir desse apoio, é possível ver e sentir a potência da criação artística e de como isso reverbera nos territórios onde a mesma está inserida. Não se trata apenas de formalizar políticas de incentivo, mas, sobretudo, de dar voz e vez a artistas que, por muito tempo, estiveram em condição de invisibilidade”.

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Para a manutenção dessa relação com os jovens, o Governo do Estado, segundo o gestor, criou importantes centros de juventude. Ele cita os Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cucas) dos bairros Mondubim, Jangurussu e Barra do Ceará, além do CCBJ. “Há também uma enorme quantidade de instituições da sociedade civil que desenvolvem projetos em diversos bairros.

Além disso, artistas e coletivos têm sido aprovados com frequência nos editais de incentivo lançados pelas secretarias estadual e municipal de Cultura”.

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O coordenador de formação ainda cita uma ação recente e que está em constante construção: a ocupação do Teatro Carlos Câmara, no Centro da Cidade, que está sendo feita pelo projeto de reggae “Eh o Gera”.

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Programas

Questionado pela equipe de reportagem sobre o motivo de muitas áreas da cidade ainda serem descobertas por programas de cultura, Lenildo Gomes aponta a “falta de sensibilidade” de quem está à frente das gestões de políticas públicas. “Mesmo com os centros culturais e com editais de incentivo, ainda me parece importante um recorte específico, que possa valorizar e fortalecer as culturas das periferias”, pondera.

*Ocupação do Bonja Roots no Cineteatro São Luiz, no Centro da Cidade de Fortaleza, em atividade realizada no dia 8 de maio de 2018

dinâmicas de opressão e Resistência

“A dinâmica da cidade nos limita todos os dias”. A frase relata o sentimento constante de Wilbert Santos, membro do Bonja Roots. Negro e morador do Grande Bom Jardim, ele diz que em Fortaleza você precisa “andar na linha”. “Não nos sentimos inclusos na cidade, o Estado sempre 'tá' de olho para oprimir e nunca disposto a transformar. É uma dinâmica que te deixa sempre na defensiva, pois o contra-ataque é sempre ofensivo para quem nos oprime”, aponta.

 

Mesmo assim, ele acredita na importância de continuar produzindo atividades na periferia. O Bonja Roots, além dos bailes de reggae, realiza formações políticas e sociais em rodas de conversa sobre ocupação do espaço público, o espaço das mulheres na cena do reggae, oficinas de fanzine e também atividades de redução de danos (uso de drogas e suas consequências).

No Bairro, eles também realizam uma feira de economia criativa, onde expositores vendem seus materiais caseiros. “Criar e difundir a arte na periferia é uma das soluções pro combate à desigualdade social.  A periferia precisa ser enxergada com outros olhos, aqui não tem só violência, existe muito jovem produzindo arte em todos os seus segmentos", explica.

 

 

Instinto

Wilbert acrescenta ainda que a comunidade que trabalha para que as atividades se realizem na periferia, por instinto e muita garra. "Vejo que ainda nos falta bastante informação, mas tudo que é produzido tem peso e simboliza muito a luta diária de quem 'tá' nas margens sendo alvo e ao mesmo tempo protagonista”, arremata o jovem.

Batalhas que dão vida: O rap como resistência

Por: Natalya Barreto

“Nossa única guerra é de rimas, é importante sempre ter alguém movimentando a cultura nas comunidades”. 

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É o que acredita, Matheus Rodrigues, um dos organizadores do projeto Cururu Skate & RAP - A Batalha. Todas as quartas-feiras  jovens se reúnem na pista de skate conhecida como Cururu, ao lado do Ginásio Poliesportivo da Parangaba, para batalhas de rap. O projeto, além de promover a interação de jovens e o crescimento do cenário local de rap, também tem o intuito de levantar verbas para a reestruturação da pista.

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Matheus é um dos idealizadores do projeto, junto com os amigos Aryadne Barbosa e Luiz Sousa Silveira.

Sentindo uma deficiência nos espaços de diversão para os jovens moradores do bairro, com a pista estava abandonada há alguns anos e com poucos obstáculos para os skatistas, a ideia de revitalização do espaço ganhou força.  

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“Foi onde a minha amiga, a Aryadne, se propôs a me ajudar. Contei o que eu queria fazer, um projeto com batalha, espaço para os poetas mandarem suas poesias, rolando um reggae também e tudo mais.

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E íamos vender vinho e água para arrecadar dinheiro, e com o dinheiro íamos fazer alguma coisa na pista. ”, lembra Matheus. 

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Depois de um ano Matheus comemora as conquistas, hoje o projeto recebe apoio dos moradores e até comerciantes locais. Mas ainda seguem na busca de incentivo da prefeitura para a reforma e afirma não receber respostas positivas.

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“Hoje estão nos privando de um espaço que é nosso, e não podemos jamais deixar tomarem o que é da gente. E por isso toda semana fazemos a resistência acontecer independente da dificuldade”, reflete.

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E acrescenta a preocupação com  os jovens da comunidade,

vendo no projeto um caminho para tirá-los da influência do tráfico por meio do  incentivo à criação e acesso a rimas,  leitura e a cultura. 

 

Matheus aponta a importância desse e de outros projetos que são realizados por jovens e para jovens das periferias. “Tiramos a visão de que na periferia só tem tráfico e uso de drogas, mostramos que, apesar da violência, a cultura vai sempre prevalecer independente de repressão ou guerras”.

expediente

Texto
Matheus Facundo e Natalya Barreto 

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Imagens
Calebe Rodrigues

Matheus Facundo 

Natalya Barreto 

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Edição de imagem 

Calebe Rodrigues

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Design Gráfico 

Calebe Rodrigues

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